terça-feira, 5 de abril de 2011

TECNOLOGIA E ESCOLA

No século XV, as caravelas portuguesas, depois de muitos dias e noites, aportaram aqui. Pero Vaz de Caminha, o "repórter" de confiança da Coroa portuguesa, mandou a notícia. Ele escreveu: "Esta terra, senhor, (...) em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das águas que tem".
Essa notícia chegou imediatamente a Portugal. Meses depois. Esse era o tempo do "imediatamente" que a tecnologia da época permitia.
Hoje, assistimos a guerras, assassinatos, festas, muitas vezes no mesmo momento em que ocorrem. É o "imediatamente" de hoje. A diferença de tempo entre o acontecimento e a divulgação das notícias se deve ao avanço da tecnologia: é ela que reduz o tempo e encurta as distâncias. Os pontos mais longínquos do planeta são trazidos para a sala de nossa casa. Este é o novo mundo.
Hoje, provavelmente, Caminha mandaria um e-mail para a Coroa e a correspondência secreta iria por jato, caso não fosse escaneada, seguindo também pela internet.
Os avanços tecnológicos compõem a nova realidade. A cada conquista, há uma reconfiguração do anteriormente conquistado. Nenhum deles desaparece: fotografia, cinema, televisão, computador.
Essas mudanças estão aí, não há como escapar. Com um telefone e um computador, temos acesso ao mundo em segundos. Dessa vez, há os que dizem que a escola acabou. O professor foi substituído pelo computador, pelo vídeo e pela televisão. Será?
O contato diário com tantas outras culturas, resultado das novas tecnologias, implica uma rápida e permanente atualização da nossa cultura: instaura-se uma reconfiguração das instituições e uma discussão de valores. Permite, desse modo, que consolidemos nossos valores, ratificando-os ou reformulando-os. Permanecerão nas nossas culturas aqueles traços que todos decidirmos como marcas da diferença, as quais nos distinguirão no conjunto das culturas, na inter-relação com elas. São os traços que mostram nossos jeitos de ser e de viver e fazem que todos nos sintamos participantes do mesmo universo, da mesma nação. E, a partir desses traços, seremos identificados e respeitados.
Assim vai se dando, com a rapidez que a tecnologia permite, o processo de construção/reconstrução de identidades, inseridas todas na internacionalização do mundo, ao mesmo tempo que se reforçam, pelas marcas da diferença, as culturas locais e regionais.
Essa mudança no perfil da sociedade atinge a escola, exigindo que ela se dedique, cada vez mais, a seu objetivo maior: a formação de cidadãos críticos. Logo, essas mudanças consolidam a instituição escolar e sobrelevam o papel do professor.
As ofertas dos produtos que podemos ler, ouvir e ver aumentam a cada dia. Entre tantos, podemos citar a televisão a cabo, que nos permite ter acesso a programas de várias partes do mundo, no momento em que estão acontecendo, e a internet, que possibilita a interação em tempo real. Mas o nosso dia continua a ter 24 horas.
É preciso, portanto, que se saiba, primeiro, escolher o que queremos ver, ouvir ou ler; segundo, que saibamos "ler" esses produtos, inter-relacionando-os entre si e relacionando-os com o que acontece ao nosso redor; terceiro, que essa inter-relação seja resultado da consolidação de objetivos que reflitam a nossa cultura e a construção de um mundo mais humano.
Para que isso ocorra, é fundamental garantir o espaço de reflexão. E o espaço privilegiado de reflexão é sempre, e continuará sendo, a escola. A coordenação do processo estará sempre nas mãos do professor.
Sabemos que a tecnologia está na escola. Não exatamente na forma de aparelhos sofisticados (ainda são tão poucas as que os possuem, disponíveis para todos), mas sim na cultura dos alunos que nela estão. Eles são resultado desse mundo pleno de tecnologias, dessa nova cultura, independentemente do nível socioeconômico a que pertencem. Por isso, no campo da educação, o desafio maior tem sido a busca da incorporação dessa tecnologia na dimensão sociocultural.
Nessa reconfiguração e redimensionamento da escola, um dos eixos é ensinar o aluno a trabalhar a informação, dando-lhe condições de incorporá-la a partir do conjunto de idéias, valores e objetivos da cultura, tornando-a conhecimento e utilizando-a para colaborar na solução dos problemas de sua realidade.
É necessário, sem dúvida, que os aparelhos tecnológicos estejam à disposição das escolas. Porém, o que estamos querendo mostrar é que, mais importante que isso, é fundamental que sejam dadas ao professor condições para ser o grande condutor nos caminhos desse mundo de realidades virtuais e de realidades vividas e construídas.
Só a escola poderá formar cidadãos que usem a tecnologia para diminuir a distância entre o homem-cidadão e o homem desrespeitado na sua condição humana.
O uso do computador, por exemplo, tem se revelado de grande valia no ensino. Porém, se o uso do computador ocorre apenas na perspectiva de instrução, seu valor ficará dramaticamente reduzido. A educação continuará a ter como base a reprodução do conhecimento e o computador servirá apenas para colocar à disposição do aluno, descritivamente, uma gama maior de informação acumulada no decorrer dos séculos.
O computador, o vídeo, o DVD ou outros aparelhos têm de ser vistos como presenças na realidade contemporânea na qual nós, alunos e professores, estamos imersos. Portanto, como presenças no processo de educação. Serão usados pelo professor conforme seus objetivos, a partir do planejamento que elaborou, com vistas a objetivar o acesso crítico ao conhecimento. Por isso, podemos afirmar, sem cometer exagero: o papel primeiro da escola – de ensinar com criticidade – é retomado de maneira definitiva nesses novos tempos de tecnologias. À escola compete educar, ou seja, fazer com que o aluno aprenda a aprender.
A tecnologia obriga a escola a ser o que sempre objetivou: crítica, fazendo do aluno não um vaso recipiente de conhecimentos prontos – passivo, portanto –, mas um ser ativo, um sujeito da história. Com a ajuda da tecnologia.
Este número de Comunicação & Educação trata de algumas experiências e reflexões que trazem a tecnologia contemporânea como base.

In: Baccega, Maria Aparecida. Comunicação, educação e tecnologia: interação. Disponível em: http://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?pid=S0104-68292005000100002&script=sci_arttext Acesso em: 5 abr. 2011

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