quinta-feira, 30 de junho de 2011

A Poesia - Miguel Reale


A poesia é pena sem castigo
ou remorso sem sombra de pecado,
um amor solidário a toda gente
que dói desde a medula de teus ossos.

Poesia é um cantinho solitário
ou espuma de existência transbordante,
uma pluma que beija o cotidiano
ou uma chaga de luz não sei de onde.

Poesia é o caminho para o exílio
com saudade da terra de partida
quanto mais perto a terra prometida,

mas é também o derradeiro auxílio
que nos torna melhores de repente
ao percebermos que ela é a semente.
http://docecomoachuva.blogspot.com/2011/01/poesia-miguel-reale.html

O professor que odeia o livro

É considerado habilidoso aquele soldado que carrega rapidamente sua arma e em fração de segundos tem o inimigo sob mira certeira. Também é muito apto o trabalhador fabril que ajusta uma peça na velocidade correta, então deslocada na sua direção por uma esteira na linha de montagem. Velocidade e destreza, nesses casos, são essenciais. Essa velocidade e essa destreza, uma vez no campo da leitura, talvez sejam exigidas no e-mail e no twitter. Todavia, valem pouco para os intelectuais que, enfim, se alimentam antes de tudo do livro.
O livro é o campo do intelectual. Não é o campo do estudante que, enfim, é transformado pelos professores, quando muito, no soldado, no trabalhador fabril e no leitor de twitter. O estudante é tirado, pelo professor, da estrada que poderia transformá-lo em um intelectual ou, ao menos, em uma pessoa capaz de autonomia de julgamento. Vítima de pequenos textos em forma de cópia Xerox, o professor tornou-se alguém que perpetua a cultura da pressa e do acúmulo, tornando seu aluno igual a ele próprio, antes um meio leitor que um leitor.
Esse professor é um inapto. Mas o pior é que ele é um produtor de inaptos. Há muito ele caiu no conto de uma das vias da modernidade, a que confundiu rapidez com objetividade. No campo de batalha, o soldado que arma seu fuzil rapidamente e de modo mais veloz ainda tem o inimigo sob mira, recebe o nome de um “atirador objetivo”. De modo menos dramático é o caso do “jogador objetivo”, que finaliza bem e reduz o jogo todo a algo muito chato caso não exista o gol. Essa noção de objetividade desliza erradamente para a atividade do leitor e, então, qualifica o que é o “leitor objetivo”. Este, desse modo, é o que “vai direto ao ponto” no texto e não sucumbe às diversas possibilidades interpretativas. O que deveria ser uma virtude do bom leitor, que é justamente a capacidade de sucumbir às diversas possibilidades interpretativas, indo e vindo no texto, parando para repensar e fazer conexões próprias, agora é o comportamento condenado.
Nessa cultura que a filósofa Olgária Matos chama de o “vamos direto ao ponto”, as palavras subjetivo e objetivo perdem sua melhor significação. Subjetivo não é mais próximo de reflexivo e, sim, de confuso e lerdo. Objetivo continua a ser quase sinônimo de verdadeiro, mas não pela sua qualidade de independência e, sim, pela sua simplicidade e rapidez. Essa confusão de conceitos que criou o leitor de nossos tempos, o leitor não intelectual, é comemorada então pela universidade que abriga o professor inapto.
Esse professor começou sua carreira sem perceber que iria se tornar o que se tornou. Ele não se matriculou em um curso para ser imbecil, é claro. Mas ele não foi suficientemente esperto para escapar da tarefa que ganhou nos primeiros dias de aula, talvez bem antes da universidade, tarefa esta que ele, depois, passou a repetir com seus alunos candidatos a aleijões mentais. Foi lhe dado, logo no início de sua vida escolar, antes a tarefa de resumir textos e colocar “as idéias principais” que a tarefa de compreender o texto e expandi-lo por meio da imaginação, criação e busca de erudição. Assim, de resumo em resumo, no afã da atividade de tornar tudo menor, mais rápido e curto, ele acabou encurtando, verdadeiramente, sua inteligência. Ficou curto mentalmente. Nada lê para criar. Tudo lê para fichar. Até seu mestrado e doutorado foi feito assim, por meio de “fichamentos”. Ele até chegou a ler um manual de metodologia científica que aconselhava o fichamento! Ele se tornou, assim, uma pessoa limitada se sem a menor idéia do que é ser um leitor. Ganhou um “Dr” na frente do nome, que o legitimou nessa atividade que ele acredita que se encaixa na universidade perfeitamente. Exibe esse seu hábito de pegar atalhos, que o torna um símio, e é assim que se comporta: exibe seu método de “fichamento”, resumo, e leitura do crime do Xerox como o macaco exibe o pênis quando vê a fêmea humana.
Paro por aqui, pois já ultrapassei o tanto de linhas que os alunos desse professor conseguem ler. Eu disse os alunos, ele mesmo, o dito professor, parou bem antes, no segundo parágrafo. Esse tipo de professor se tornou um ejaculador precoce. Ele não leva adiante nada que ultrapasse uma lauda, e mesmo assim, às vezes não termina nem mesmo uma lauda uma vez que, precisando de dicionário, não o apanha na estante e tem preguiça de consultar o da Internet, aberta na frente dele.


Sobre leitura e sobre esse tipo de adorador do resumo, veja o vídeo aqui.

domingo, 26 de junho de 2011

Caixa mágica de surpresa - Elias José

Um livro
é uma beleza,
é caixa
mágica
só de surpresa.

Um livro
parece mudo,
mas nele a gente
descobre tudo.




Um livro
tem asas
longas e leves
que de repente,
levam a gente
longe, longe.

Um livro
é parque de diversões
cheios de sonhos coloridos,
cheio de doces sortidos,
cheio de luzes e balões.


Um livro
é uma floresta
com folhas e flores
e bichos e cores.

É mesmo uma festa,
um baú de feiticeiro,
um navio pirata no mar,
um foguete perdido no ar,
é amigo e companheiro.


http://docecomoachuva.blogspot.com/search?q=caixa

terça-feira, 21 de junho de 2011

Programa Salto para o Futuro na Bahia

O vídeo abaixo traz importantes reflexões sobre:

  • Currículo Multirreferencial;
  • Projeto Tabuleiro Digital em Irecê;
  • Experiências de grupo de pesquisa na criação de jogos educativos;
  • Curso de formação de professores em Moodle
  • Entrevista com o professor Nelson Pretto;
  • E muito mais...

Confira:

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Rancho das flores - Vinícius de Moraes

 



Entre as prendas com que a natureza
Alegrou este mundo onde há tanta tristeza
A beleza das flores realça em primeiro lugar
É um milagre
De aroma florido
Mais lindo que toda as graças do céu
E até mesmo do mar

 
Olhem bem para a rosa
Não há mais formosa
É a flor dos amantes
É a rosa-mulher
Que em perfume e nobreza
Vem antes do cravo
E do lírio e da hortênsia
E da dália e do bom crisântemo
E até mesmo do puro e gentil malmequer

E reparem no cravo
O escravo da rosa
Que flor mais cheirosa
De enfeite sutil

 
E no lírio que causa o delírio da rosa
O martírio da alma da rosa
Que é a flor mais vaidosa e mais prosa
Entre as flores do nosso Brasil

 
Abram alas pra dália garbosa
Da cor mais vistosa
Do grande jardim da existência das flores
Tão cheio de cores gentis
E também para a hortênsia inocente
A flor mais contente
No azul do seu corpo macio e feliz

 
Satisfeita da vida
Vem a margarida
Dos que têm paixão
E agora é a vez
Da papoula vermelha
A que dá tanto mel pras abelhas
E alegra este mundo tão triste
Com a cor que é a do meu coração

 
E agora aqui temos o bom crisântemo
Seu nome cantemos em verso e em prosa
Porém que não tem a beleza da rosa

 
Que uma rosa não é só uma flor
Uma rosa é uma rosa é uma rosa
É a mulher rescendendo de amor.
 
http://docecomoachuva.blogspot.com/search?q=paix%C3%A3o 

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Poema-amar [à Mah] - Juliana Santos

Abaixo, meus versos simples...
Rimas que, de tão pobres, acabam ficando ricas.
As rimas-pobres-ricas. 
Uns versos mais-que-brancos que, curiosamente, se tornam coloridos.

Todo esse esforço para, ao menos, tentar expressar um pouco do meu AMO à essa pernambucana arretada. MARCÍLIA é ela... Elane, pode ser também. Ou os dois nomes: Marcília Elane. Na verdade, para mim, ela é a Mah.

Ao longo do processo, nessa árdua jornada no curso de Pedagogia, temos construído uma história recheada de alegrias, respeito, motivação, etc. e, sobretudo, ética (que, creio eu, "passa bem perto" de nós... rsrs). E, esse construir tem valido tão à pena... Pensando nas experiências que compartilhamos até aqui e no "tudo que é seu todo", me veio esse (re) inventar, meu momento criativo.

Agora, deixarei minha voz infante um tanto quieta.
Cabe, assim, um silenciar "meu", para ouvir meu "eu poeta":



Poema-amar [à Mah]


Fica assim não, coração
que tua dor es mi dolor
Seja!
Ames, te alegres...
Porque "a hora é a-go-ra!"
Não foi assim que me dissestes?
Pois, abre esse sorriso largo e irreverente
Beija!
Encantes, te lances...
Por que o que te prendes?
Nada
Tu só aPRENDES
Ora
Diga teu "Bom diia!"
não liges pra essa gente...
Mas eu, teu querubim,
de ti só quero um sim:
o sim querendo o hoje, o agora
Vão bora?!
Porque, na vida, nada de dor...
o gostoso mesmo dela, minha flor
é o todo no tudo!
é esse teu conjunto de "Mah", poema-amar...
para esse teu tudo de AMOR.


Este texto Poema-amar [à Mah] foi enviado por e-mail para a Mah.

Com a devida autorização, segue sua resposta, a reciprocidade.

"Ah!!Jú com lágrimas brotano de minha alma autorizo sua forma de amor para comigo, ainda mais quando se traduz de maneira poética, como tal poema.
Jú, conhecer-te apenas já fez minha caminhada valer muitooooo a pena!!!
Se tenho tanto amor, o que encontro em ti?!
A certeza de que amar vale a pena, que sou mais quando amo e me doar ao amor, ah!experiência única que me oportuniza encontrar tesouros como vocÊ!!!
Ter uma Juliana Santos em minha vida, faz toda a diferença. E de tanto querer, queremos juntas e dividimos de tudo um pouco!!

Eu Coração tu!"
Marcília Elane

Isso explica o que me move. É também por isso que a poesia não me deixa, me inquieta.
Aí eu pergunto: tem outro jeito, senão, cumprir seu desejo, escrevendo para ela?

Obs.: A imagem, na cor lilás, com as corujinhas, dispensa comentários...

terça-feira, 14 de junho de 2011

O Velho e A Flor - Vinicius de Moraes / Toquinho / Bacalov

........delicacy........




Por céus e mares eu andei
Vi um poeta e vi um rei
Na esperança de saber o que é o amor
Ninguém sabia me dizer
E eu já queria até morrer
Quando um velhinho com uma flor assim falou:
O amor é o carinho
É o espinho que não se vê em cada flor
É a vida quando
Chega sangrando
Aberta em pétalas de amor

Livros - Caetano Veloso

Composição : Caetano Veloso
Tropeçavas nos astros desastrada
Quase não tínhamos livros em casa
E a cidade não tinha livraria
Mas os livros que em nossa vida entraram
São como a radiação de um corpo negro
Apontando pra a expansão do Universo
Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso
(E, sem dúvida, sobretudo o verso)
É o que pode lançar mundos no mundo.


Tropeçavas nos astros desastrada
Sem saber que a ventura e a desventura
Dessa estrada que vai do nada ao nada
São livros e o luar contra a cultura.


Os livros são objetos transcendentes
Mas podemos amá-los do amor táctil
Que votamos aos maços de cigarro
Domá-los, cultivá-los em aquários,
Em estantes, gaiolas, em fogueiras
Ou lançá-los pra fora das janelas
(Talvez isso nos livre de lançarmo-nos)
Ou ­ o que é muito pior ­ por odiarmo-los
Podemos simplesmente escrever um:


Encher de vãs palavras muitas páginas
E de mais confusão as prateleiras.
Tropeçavas nos astros desastrada
Mas pra mim foste a estrela entre as estrelas.

Delicadeza - Roseana Murray


A alma é invisível
um anjo é invisível
o vento é invisível
o pensamente é invisível
e no entanto
com delicadeza
se pode enxergar a alma
se pode adivinhar o anjo
se pode sentir o vento
se pode mudar o mundo com alguns
pensamentos...


Livro - Uma Revolução Tecnológica


Vivemos na chamada Era Digital, onde a emergência e priorização de outros suportes de leitura têm-nos provocado questionamentos. O livro IMPRESSO, está sendo deixado de lado, esquecido? Será possível substituí-lo definitivamente?
Implicitamente, a proposta do vídeo abaixo é trazer essa problemática, para isso, apresenta o Livro como uma super revolução da tecnologia.

Segundo o vídeo, o livro, chamado "book", "é uma revolucionária rotura tecnológica, sem cabos, sem circuitos elétricos, sem bateria, sem necessidade de ligação. Compacto e portátil, "book" pode ser usado em qualquer lugar. Por não precisar de bateria elétrica, não precisa ser recarregado, podendo ser utilizado todo o tempo que se queira..."

Geralmente, vemos esse tipo de "propaganda" vinculada a iPhones, iPads, celulares, notbooks e outros suportes, considerados como alta tecnologia, contudo, não pensamos no livro a partir dessa leitura. Vejo nesse vídeo uma excelente interpretação da importância tecnológica do livro.

Vale a pena assistir e meditar:


segunda-feira, 13 de junho de 2011

Venha ver o pôr-do-sol - Lygia Fagundes Telles



O que pode acontecer a um casal de ex-namorados durante um último encontro em um cemitério abandonado? Esse é o argumento do conto Venha ver o pôr-do-sol, de Lygia Fagundes Telles. Um dos melhores contos que já li... Ao concluir a leitura sempre dá vontade de recomeçar, pois é uma obra surpreendente, engenhosa e, deveras, enigmática. 
Segue como indicação de leitura, vejamos os primeiros parágrafos: 

"Ela subiu sem pressa a tortuosa ladeira. À medida que avançava, as casas iam rareando, modestas casas espalhadas sem simetria e ilhadas em terrenos baldios. No meio da rua sem calçamento, coberta aqui e ali por um mato rasteiro, algumas crianças brincavam de roda. A débil cantiga infantil era a única nota viva na quietude da tarde.
Ele a esperava encostado a uma árvore. Esguio e magro, metido num largo blusão azul-marinho, cabelos crescidos e desalinhados, tinham um jeito jovial de estudante.
- Minha querida Raquel.
Ela encarou-o, séria. E olhou para os próprios sapatos.
- Vejam que lama. Só mesmo você inventaria um encontro num lugar destes. Que idéia, Ricardo, que idéia! Tive que descer do taxi lá longe, jamais ele chegaria aqui em cima
Ele sorriu entre malicioso e ingênuo.
- Jamais, não é? Pensei que viesse vestida esportivamente e agora me aparece nessa elegância...Quando você andava comigo, usava uns sapatões de sete-léguas, lembra?
- Foi para falar sobre isso que você me fez subir até aqui? - perguntou ela, guardando as luvas na bolsa. Tirou um cigarro. - Hem?!
- Ah, Raquel... - e ele tomou-a pelo braço rindo.
- Você está uma coisa de linda. E fuma agora uns cigarrinhos pilantras, azul e dourado...Juro que eu tinha que ver uma vez toda essa beleza, sentir esse perfume. Então fiz mal?
- Podia ter escolhido um outro lugar, não? – Abrandara a voz – E que é isso aí? Um cemitério?
Ele voltou-se para o velho muro arruinado. Indicou com o olhar o portão de ferro, carcomido pela ferrugem.
- Cemitério abandonado, meu anjo. Vivos e mortos, desertaram todos. Nem os fantasmas sobraram, olha aí como as criancinhas brincam sem medo – acrescentou, lançando um olhar às crianças rodando na sua ciranda. Ela tragou lentamente. Soprou a fumaça na cara do companheiro. Sorriu. - Ricardo e suas idéias. E agora? Qual é o programa?
Brandamente ele a tomou pela cintura.
- Conheço bem tudo isso, minha gente está enterrada aí. Vamos entrar um instante e te mostrarei o pôr do sol mais lindo do mundo.
Perplexa, ela encarou-o um instante. E vergou a cabeça para trás numa risada.
- Ver o pôr do sol!...Ah, meu Deus...Fabuloso, fabuloso!...Me implora um último encontro, me atormenta dias seguidos, me faz vir de longe para esta buraqueira, só mais uma vez, só mais uma! E para quê? Para ver o pôr do sol num cemitério...

(...)"

Para baixar o conto completo, acesse: http://saladeestudos.com/material/lygia-fagundes-telles-venha-ver-o-por-do-sol.pdf

domingo, 12 de junho de 2011

Máscaras - Menotti Del Picchia


Pudesse eu repartir-me e encontrar minha calma
dando a Arlequim meu corpo e a Pierrot a minh’alma!

Quando tenho Arlequim, quero Pierrot tristonho,
pois um dá-me o prazer, o outro dá-me o sonho!

Nessa duplicidade o amor todo se encerra:
um me fala do céu... outro fala da terra!

Eu amo, porque amar é variar, e em verdade
toda a razão do amor está na variedade...

Penso que morreria o desejo da gente,
se Arlequim e Pierrot fossem um ser somente,

porque a história do amor pode escrever-se assim:
Um sonho de Pierrot... E um beijo de Arlequim!

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Girassois

Dolcezza



A "flor da alegria" dá pistas sobre o como a imaginação ativa o cérebro. O girassol, considerado o símbolo da felicidade e a flor que Van Gogh pintava em momentos de otimismo, foi objeto de pesquisa em neurociências:


Olhar para uma imagem agradável ou apenas imaginá-la, ativa a mesma população de neurônios no cérebro. Isso pode indicar que, ao imaginarmos coisas belas e agradáveis, pode nos trazer as mesmas sensações do que ver estas coisas na vida real.

Girassois - Van Gogh

O que é Eudaimonia?

Scott Carson
Universidade de Ohio


De um modo estrito, o termo "eudaimonia" é uma transliteração da palavra grega para prosperidade, boa fortuna, riqueza ou felicidade. Em contextos filosóficos "eudaimonia" tem sido tradicionalmente traduzida simplesmente por "felicidade", mas muitos scholars e tradutores contemporâneos tentam evitar esta interpretação, uma vez que pode sugerir conotações que nada ajudam ao leitor acrítico. (Por exemplo, não se refere a um estado emotivo, nem é coextensional com a concepção utilitarista de felicidade, apesar de ambas as noções poderem, em alguns pensadores, contar como aspectos da eudaimonia.) Dado que a palavra é composta pelo prefixo eu- (bem) e pelo substantivo "daimon" (espírito), tem-se proposto em alternativa expressões como "viver bem" ou "florescimento". Mas o consenso mostrado é que "felicidade" é adequado se o termo for apropriadamente compreendido no contexto filosófico da antiguidade.


Aristóteles escreveu que todos concordam que a eudaimonia é o bem principal para os seres humanos, mas que há diferenças consideráveis de opinião quanto ao que consiste a eudaimonia (Ética a Nicómaco I.2, 1095a15-30). Na imagem de Sócrates apresentada por Platão nos primeiros diálogos socráticos, o protagonista adopta a perspectiva de que a eudaimonia consiste em viver uma vida justa, o que exige conhecimento, na forma de uma espécie de previdência (especialmente no Górgias). Nas obras posteriores (por exemplo, na República), Platão continuou a argumentar que a virtude é suficiente para a felicidade, e que os bens amorais não trazem eudaimonia (a chamada tese da suficiência).


Como é bem sabido, Aristóteles concordava que a virtude é uma condição necessária para a eudaimonia, mas sustentava que não é suficiente (a chamada tese da necessidade). Dessa sua perspectiva, a "eudaimonia" aplica-se mais apropriadamente não a qualquer momento particular da vida de uma pessoa, mas a uma vida inteira que tenha sido bem vivida. Apesar de a virtude ser necessária para uma vida dessas, Aristóteles argumentou que certos bens amorais podem contribuir para a eudaimonia ou impedi-la pela sua ausência. Há alguma controvérsia entre os scholars sobre como que Aristóteles caracterizou, ao final, a vida feliz, a vida marcada pela eudaimonia. Ao longo dos primeiros nove livros da Ética a Nicómaco, Aristóteles parece pensar que uma vida feliz é a que envolve centralmente a actividade cívica. As virtudes que caracterizam a pessoa feliz são em si definidas como estados da alma que resultam de certas interacções que têm lugar nas relações sociais. Todavia, no livro X, o argumento de Aristóteles, aparentemente, é que uma vida de contemplação do teórico (theoria) é o gênero mais feliz de vida, e a vida cívica até pode impedir este gênero de actividade (apesar de a vida privada de contemplação parecer pressupor a vida pública, dado que sem a vida pública para produzir bens e serviços, o filósofo é incapaz de viver em isolamento).


Onde Sócrates, Platão e Aristóteles concordam é na natureza objectiva da eudaimonia, o que os afasta nitidamente da moralidade popular do seu tempo. Numa famosa passagem do Górgias (468e-467a), Sócrates choca Pólo argumentando que quem pratica o mal, na verdade, fica em prejuízo relativamente a quem ele prejudicou, e que quem pratica o mal está condenado a ser infeliz até ser punido. A vítima do mal, em contraste, pode ser feliz ainda que seja vítima do maior sofrimento físico nas mãos de quem pratica o mal. O Górgias conclui com um mito sobre o destino da alma humana após a morte que torna claro que só o estado da alma, e não o estado físico do corpo, determina se alguém é feliz ou infeliz.


Apesar de Aristóteles não concordar que a felicidade não poderia, absolutamente, se esvair por conta do sofrimento físico, ele não pensava que os sentidos são decisivos para a felicidade. Pelo contrário, Aristóteles argumentou a favor de um padrão objectivo da felicidade humana, com base no seu realismo metafísico. Na Ética a Nicómaco (I.7), Aristóteles argumentou que a excelência humana deve ser interpretada em termos do que comummente caracteriza a vida humana (o chamado argumento funcional ou ergon). Este argumento funda-se claramente na sua doutrina da causalidade, segundo a qual qualquer membro de uma categoria natural se caracteriza por quatro causas: formal, material, eficiente e final. A causa final é inseparável da formal: ser uma certa categoria de coisa é apenas funcionar de um certo modo, e ter um certo gênero de função é apenas ser uma certa categoria de coisa. A função humana (ergon) encontra-se na actividade das nossas faculdades racionais, em particular a sabedoria prática (phronesis) e a ilustração (sofia). Dado que a actividade destas duas faculdades não é regulada por considerações subjectivas mas pelas restrições formais da própria razão, a excelência humana está determinada objectivamente: viver bem é viver uma vida caracterizada pelo uso excelente das nossas faculdades racionais, e esta excelência caracteriza-se pela aplicação bem-sucedida de regras gerais da vida virtuosa a situações particulares que exigem deliberação moral.


Aristóteles rejeitou perspectivas alternativas da felicidade por não estarem à altura do seu ideal (Ética a Nicómaco I.5, 1095b14-1096a10). A vida de honra política, por exemplo, reduz a felicidade ao grau de estima que os outros têm por nós, desligando assim a felicidade da operação da nossa própria função apropriada. Uma perspectiva mais popular equacionava a felicidade com o prazer, o que Aristóteles excluiu rapidamente por não distinguir a categoria natural dos seres humanos de outros animais que , enfim, também sentem prazer e que nele se baseiam como algo motivador na sua luta diária pela sobrevivência. Para Aristóteles, como antes para Platão, a perspectiva hedonista negligencia a função essencial da racionalidade humana: regular e controlar os apetites e desejos humanos, canalizando-os para actividades que, a longo prazo, melhor assegurem o florescimento humano. Na verdade, é precisamente estas regulação e controle que distinguem a sociedade humana de todas as outras formas de vida, de modo que há uma conexão íntima entre a excelência humana e a vida política. Esta conexão , contudo, está sujeita a uma certa tensão, dado que tanto Platão, na República, como Aristóteles, na sua vida de contemplação teórica, tornam a ordem social uma condição necessária da excelência humana, ao mesmo tempo que argumentam que a felicidade pessoal implica, em certo sentido, que nos desliguemos da comunidade em geral.


Os estóicos concordavam que a felicidade é o nosso fim último, pelo qual fazemos tudo o resto, e definiam-na como uma vida consistentemente vivida de acordo com a natureza. Não queriam apontar, com isto, apenas a natureza humana, mas a natureza do universo inteiro, do qual somos parte, e a ordem racional que ambos exibem. A razão prática exige assim uma compreensão do mundo e do nosso lugar nele, juntamente com a nossa aceitação resoluta desse papel. Seguir a natureza desta maneira é uma vida de virtude e tem como resultado um "bom fluir da vida", com paz e tranquilidade.


Os epicuristas também tomavam a eudemonia como o fim para os seres humanos, mas definiam-na em termos de prazer. Contudo, muitas das coisas que nos dão prazer têm consequências desagradáveis, que no cômputo geral perturbam a nossa vida, não nos fornecendo portanto a libertação das preocupações (ataraxia) nem a ausência de dor física (aponia) que caracterizam a verdadeira felicidade. Estes traços, pensavam, têm de ser assegurados pelo exercício da moderação, prudência e outras virtudes, que contudo não são valorizadas por si, mas apenas como meios instrumentais para uma vida de prazer e felicidade.


Esta forma de eudemonismo hedonista contrasta com o hedonismo dos cirenaicos, a principal excepção à afirmação de Aristóteles de que todos concordam que o mais elevado bem é a eudemonia. Versões incompletas do Aristipo tardio sugerem que o seu hedonismo envolvia dar livre vazão aos desejos sensuais (Xenofonte, Memorabilia 11.1.1-34), de modo a ser sempre capaz de desfrutar do momento, deitando mão ao que estava à mão (Diógenes Laércio 11.66). Mais tarde, os cirenaicos aperfeiçoaram esta posição de modo a procurar desfrutar por completo do prazer sensual sem sacrificar a autonomia nem a racionalidade. A sua concepção de prazer salientava os prazeres corporais, entendidos como um tipo de movimento (kinesis) ou o estado sobreveniente da alma (pathos). Por encararem tais estados transitórios como o mais elevado bem, os cirenaicos recusavam a perspectiva de que a eudemonia, um tipo de realização alargado e de longa duração, fosse o fim que devesse reger todas as nossas escolhas.



Bibliografia


  • Ackrill, J. L. "Aristotle on Eudaimonia." Proceedings of the British Academy 60 (1974): 339-359.
  • Aristotle. Nicomachean Ethics. Trad. Christopher Rowe. Oxford, U.K.: Oxford University Press, 2002.
  • Annas, Julia. The Morality of Happiness. New York: Oxford University Press, 1993.
  • Broadie, Sarah. Ethics with Aristotle. New York: Oxford University Press, 1991. Especialmente cap. 1, "Happiness, the Supreme End," e cap. 7, "Aristotle's Values."
  • Cooper, John M. "Contemplation and Happiness: A Reconsideration." In Reason and Emotion: Essays on Ancient Moral Psychology and Ethical Theory, 212-236. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1999.
  • Cooper, John M. "Intellectualism in the Nicomachean Ethics." In Reason and Human Good in Aristotle, 144-182. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1975.
  • Diogenes Laertius. Lives of Eminent Philosophers. Trad. R. D. Hicks. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1972.
  • Gosling, J. C. B., and C. C.W. Taylor. "Epicurus." In The Greeks on Pleasure, 345-364. Oxford, U.K.: Clarendon, 1982.
  • Irwin, Terence. "Socrates: From Happiness to Virtue." In Plato's Ethics, 52-64. New York: Oxford University Press, 1995.
  • Plato. The Collected Dialogues of Plato. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1963.
  • Vlastos, Gregory. "Happiness and Virtue in Socrates'Moral Theory." In Socrates, Ironist and Moral Philosopher, 200-232. Ithaca, NY: Cornell University Press, 1991.
  • Xenophon. Memorabilia. Trad. Amy L. Bonnette. Ithaca, NY: Cornell University Press, 1994.


Publicado em Encyclopedia of Philosophy, 2.ª ed., org. Donald M. Borchert (Macmillan Library Reference, 2005)

A importância do livro

“Um livro não muda o mundo. Um livro muda pessoas. E as pessoas, sim, podem mudar o mundo”.




A importância do livro, impresso ou virtual, para a civilização moderna, repassando às gerações futuras todo o conhecimento armazenado pelos séculos, é incalculável. O livro, além de didático, tem o papel de incentivador do uso da imaginação, mais do que nunca, num mundo dominado pela imagem e a informação – muitas vezes manipuladas.
Há escritores proféticos: Júlio Verne em seu romance Da Terra à Lua, previra com 100 anos de antecedência o vôo tripulado ao nosso satélite natural, errando por apenas alguns quilômetros o local de lançamento na Flórida (E.U.A.) e sua chegada no oceano Pacífico, acertando quase na mosca a dimensão da cápsula espacial; Arthur Clarke, em seu livro 2001- Uma odisséia no espaço, previra a cooperação entre russos e americanos, dentro de uma estação espacial (fato inadmissível, durante a Guerra Fria!) e hoje realidade, além de um supercomputador ser o personagem principal do livro. O autor previra o poder que a informática teria algumas décadas depois? Por fim, George Orwell, com o livro 1984, cria a figura do Grande Irmão que tudo vê, tudo controla – dura crítica aos regimes totalitaristas e seus ditadores como Stálin e Hitler. Orwell, enganara-se por duas décadas, pois em 1984 a Internet engatinhava de forma experimental entre universidades norte-americanas. Já em 2004, com a conjuntura mundial, após os atentados de 11/09/2001, “o olho que tudo vê”, saiu das páginas de ficção e invadiu a realidade, nada virtual.
Outros casos da literatura influenciando o cotidiano foram: A Cabana do Pai Thomas, escrito por Harriet Beecher Stowe, que fazia em seu livro dura denúncia da escravatura nos Estados Unidos, e dizem que levou o presidente norte-americano Abraham Lincoln a dizer-lhe: “Foi a senhora que, com seu livro, causou essa grande guerra”, referindo-se a Guerra da Secessão, que dividiu o país, entre Norte e Sul, abolicionista e escravocratas, entre outros interesses. Os Sofrimentos do Jovem Werther, de Johann Wolfgang von Goethe, um clássico da literatura germânica, levou muitos jovens da época a imitar o gesto do personagem principal, que se suicida.
A situação do livro no Brasil, de acordo com artigo “Quem vai ler nosso futuro?”, armazenado no site da Câmara Brasileira do Livro, traz outros dados: “O Brasileiro lê pouco.(...)Baixa escolaridade e baixo poder aquisitivo certamente estão entre as causas da pouca afeição à leitura. Cabe ao Estado mudar esse quadro.(...)com uma política cultural destinada a aumentar o espaço dedicado às letras, formar o hábito da leitura e tornar o livro um objeto acessível para qualquer pessoa”, diz ainda que: “61% dos brasileiros adultos alfabetizados não têm praticamente contato nenhum com livros.(...)O Brasil tem hoje apenas 1.500 livrarias, enquanto que o ideal seria existirem pelo menos 10 mil". E mais: "cerca de 1.300 municípios brasileiros das regiões mais pobres não dispõem de nenhuma biblioteca.(...)Temos grandes autores no segmento infantil, mas poucas publicações de qualidade para jovens de 13 a 17 anos.(...)Deve-se incentivar a criação de bibliotecas públicas, escolares e comunitárias que funcionem até mesmo à noite e nos fins de semana.(...)No Brasil, apenas 1% da produção editorial destina-se às bibliotecas, enquanto que nos Estados Unidos 30% dos livros editados são adquiridos pelos acervos públicos”.
Eventos literários pelo país demonstram o crescimento do hábito da leitura, aliado às campanhas de incentivo de entidades governamentais ou não. Os Ministérios da Cultura e da Educação pretendem lançar projeto de incentivos e barateamento do livro, algo fundamental para a mudança dessa situação. Que esse desafio gigantesco saia do papel... deixando de ser mera ficção.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Pedagogia da Expressão

"O grande desafio é transformar o Sujeito em protagonista da sua Própria História, evoluindo enquanto espécie, por meio da sua interação sóciocultural; consciente das diferenças individuais, aprendendo com a heterogeneidade... "


"Para ingressar no APRENDER a APRENDER criativamente... "


terça-feira, 7 de junho de 2011

Soneto antigo - Cecília Meireles



Responder a perguntas não respondo.
Perguntas impossíveis não pergunto.
Só do que sei de mim aos outros conto:
de mim, atravessada pelo mundo.

Toda a minha experiência, o meu estudo,
sou eu mesma que, em solidão paciente,
recolho do que em mim observo e escuto
muda lição, que ninguém mais entende.

O que sou vale mais do que o meu canto.
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisíveis por onde ando.

Tudo é secreto e de remoto exemplo.
Todos ouvimos, longe, o apelo do Anjo.
E todos somos pura flor de vento.

Magda Soares e o livro didático


Magda Soares, doutora em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), estuda há anos a importância do livro didático no dia-a-dia do magistério. Com mais de 24 obras publicadas sobre letramento, linguagem, leitura, escrita e alfabetização, defende o livro didático na sala de aula, rebatendo enfaticamente as críticas que fazem ao seu uso. Afirma que trata-se de um erro histórico, já que o livro persistiu ao longo dos séculos, sempre presente em todas as situações formais de ensino: "Professores e alunos, avaliadores e críticos que manipulam os livros didáticos nem sempre se dão conta de que eles são o resultado da longa história da escola e do ensino". O que não é aconselhável é usá-lo como uma imposição, uma prescrição que deva ser seguida passo a passo. "O livro didático é necessário e eficaz, mas se deixar dirigir, exclusivamente, por ele, é renunciar à liberdade que o professor tem, pode e deve ter", afirma em entrevista à Nós da Escola.

Embora receba várias críticas, o livro didático continua sendo um importante instrumento de trabalho. Por quê?

Magda Soares - Quatro questões estão presentes na pergunta, questões fundamentais em uma reflexão sobre livro didático: primeiro, ao usar o verbo "continuar", a pergunta revela o reconhecimento da permanência do livro didático ao longo do tempo; segundo, a pergunta caracteriza bem o livro didático, chamando-o de "instrumento de trabalho"; terceiro, a pergunta qualifica esse instrumento de trabalho que é o livro didático como "importante", caracterização com que concordo plenamente; finalmente, a pergunta menciona as "varias críticas" que o livro didático recebe, críticas que é necessário discutir e rebater. Acho que seria interessante comentar essas questões.

Quais são então as críticas feitas aos livros didáticos?

Magda Soares - As críticas que atualmente são feitas ao livro didático chegam a defender sua rejeição, sua eliminação das salas de aula, como se ele fosse um material didático recém-inventado, de existência ainda indefinida e perigosa, criado para oprimir e submeter os professores e enriquecer autores e editores. Um erro histórico, porque o livro didático surgiu já na Grécia Antiga - Platão aconselhava o uso de livros de leitura que apresentassem uma seleção do que havia de melhor na cultura grega; a partir daí, o livro didático persistiu ao longo dos séculos, sempre presente em todas as sociedades e em todas as situações formais de ensino. Um exemplo: "Os Elementos de Geometria", de Euclides, escrito em 300 a.C., circulou desde então e por mais de vinte séculos como manual escolar; outros exemplos são os livros religiosos, abecedários, gramáticas, livros de leitura que povoaram as escolas por meio dos séculos. Ao longo da história, o ensino sempre se vinculou indissociavelmente a um livro "escolar", fosse ele livro "utilizado" para ensinar e aprender, fosse livro propositadamente "feito" para ensinar e aprender. Professores e alunos, avaliadores e críticos que, hoje, manipulam tão tranqüilamente os livros didáticos nem sempre se dão conta de que eles são o resultado de uma longa história, na verdade, da longa história da escola e do ensino.

Este vínculo do ensino com o livro didático limita o trabalho do professor?

Magda Soares - Uma das crítica feitas ao livro didático - e aqui continuo a rebater essas críticas - é que ele tira a autonomia e liberdade do professor para buscar ou criar, ele mesmo, o material e as atividades com os quais desenvolve o processo de ensino e de aprendizagem. Um dos pontos falhos dessa crítica é que ela não considera, eu até diria "não respeita", as condições de trabalho que são dadas ao professor no Brasil, hoje. Outro ponto falho é que não é propriamente o livro didático que tira a autonomia e liberdade do professor. O professor que se deixa dirigir exclusivamente pelo livro didático está renunciando autonomia e à liberdade que tem, que pode ter e que deve ter. Essa autonomia e liberdade estão garantidas quando o professor usa o livro didático apenas como um instrumento de trabalho, lançando mão dos textos e das atividades que o livro propõe como uma facilitação de seu trabalho: alguém - o autor ou os autores do livro didático - com mais tempo, mais vagar e quase sempre mais experiência, oferece a ele suporte para a realização de sua tarefa - selecionou textos adequados, informações necessárias, atividades apropriadas, o que exige busca, pesquisa, reflexão, coisas para as quais o professor dificilmente teria tempo ou condições. Qual o motivo da permanência do livro didático na escola? Magda Soares - Apesar das grandes mudanças que a escola tem experimentado ao longo do tempo, uma característica ela nunca perdeu, característica que é a sua própria essência: na escola, ações e tarefas são ordenadas e hierarquizadas, alunos são distribuídos em grupos organizados por determinados critérios - o ciclo, a série, a turma, o tempo é dividido e controlado, o trabalho obedece a determinadas regras e rituais e é avaliado; sobretudo, na escola, são ensinados e aprendidos conhecimentos, práticas sociais, habilidades e competências, selecionados no amplo campo da cultura, hierarquizados e seqüenciados. Currículos, programas, materiais didáticos representam estratégias sociais e educacionais para concretizar e operacionalizar essa seleção, hierarquização e seqüenciação. Nesse sentido, o livro didático foi criado, e isso aconteceu antes mesmo de serem estabelecidos programas e currículos mínimos, como instrumento para garantir a aquisição dos saberes escolares, isto é, daqueles saberes e competências considerados indispensáveis para a inserção das novas gerações na sociedade, aqueles saberes que não é permitido a ninguém ignorar. Além disso, ele fornece ao professor textos e propostas de atividades que viabilizam a sua ação docente, o que é particularmente importante hoje, no Brasil, por causa das condições atuais de trabalho dos professores que, para sobreviver, têm ou de se ocupar com aulas em dois e às vezes até três turnos, ou de ter uma outra atividade, paralela à do magistério.

Desde 1995, o MEC vem desenvolvendo ações que visam à melhoria da qualidade do livro didático. A qualidade dos livros melhorou?

Magda Soares - Considero de grande importância para a educação e o ensino a ação que o MEC vem exercendo na área do livro didático: ao constituir comissões de especialistas para fixar critérios de qualidade do livro didático e para avaliar os livros oferecidos por autores e editores, o MEC presta um grande serviço tanto à escola pública, garantindo a qualidade dos livros entre os quais os professores podem escolher e que os alunos podem receber, por meio do Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), quanto à escola privada, que conta, para orientar suas escolhas, com uma avaliação externa dos livros oferecidos no mercado. Os Guias de Livros Didáticos publicados pelo MEC após cada avaliação, com as resenhas críticas dos livros assinalados, constituem uma orientação preciosa para professores, tanto da escola pública quanto da escola privada. Ao longo dos anos e das avaliações, os números comprovam que a qualidade dos livros vem melhorando significativamente: nas primeiras avaliações, uma grande percentagem dos livros encaminhados ao MEC eram excluídos ou não recomendados - em 1997, por exemplo, dos 511 livros para as primeiras séries do Ensino Fundamental apresentados pelas editoras, foram recomendados apenas 66; nas últimas avaliações, diminuiu muito o número de livros que as editoras submetem apreciação e também o número de livros que as comissões rejeitam como "não recomendados", o que indica que não só as próprias editoras vêm sendo mais criteriosas na seleção dos livros que publicam, como também autores têm reformulado seus livros ou construído novos livros atentos aos critérios de qualidade.

Quais os critérios para a escolha de um livro didático?

Magda Soares - Os Guias publicados pelo MEC apresentam os critérios utilizados para a avaliação dos livros didáticos, esses mesmos critérios podem orientar a escolha de livros por uma escola ou professor. Se a escolha for feita entre os livros avaliados e recomendados, aqueles que constam do Guia, já foram excluídos os livros que ferem critérios que não podem deixar de ser considerados: um livro didático não pode apresentar conceitos ou informações incorretas, não pode veicular preconceitos de classe, etnia, cor gênero, etc. Para além desses critérios que valem para todo e qualquer livro, os critérios variam de disciplina a disciplina, porque cada uma tem suas especificidades. Um critério fundamental de escolha, porém, é que o livro seja coerente com a concepção que o professor tem da natureza do conteúdo que ensina e dos objetivos do ensino desse conteúdo, seja adequado ás características de seus alunos e ao projeto político-pedagógico da escola. Como esses critérios se fundamentam em aspectos que são ou devem ser comuns aos professores de uma mesma escola, no caso das característica dos alunos e do projeto político pedagógico, ou comuns aos professores de uma mesma disciplina, no caso da concepção da natureza e dos objetivos da disciplina, a escolha do livro didático não pode ser responsabilidade de cada professor, não deve ser um ato individual, mas deve ser assumida pelo grupo de professores, ora da escola como um todo, ora dos professores de uma determinada disciplina; deve ser um ato coletivo.

O que explica a permanência de alguns títulos no mercado, durante décadas?

Magda Soares - É realmente um fenômeno interessante a questão do tempo durante o qual um determinado livro didático permanece no mercado. Se tomamos uma perspectiva histórica, constatamos que esse tempo vai se tornando cada vez mais curto, ao longo das décadas. No passado, houve livros didáticos com numerosas e sucessivas edições utilizados por 40, 50 anos nas salas de aula; um exemplo é a "Antologia Nacional", de Fausto Barreto e Carlos de Laet; publicada em 1895, dominou, por mais de 70 anos, o ensino de Português, com sua última edição, a 43ª, em 1969. Nas últimas décadas, o número de edições de um mesmo livro didático é bem menor, seu tempo de vida nas salas de aula e, portanto, no mercado, não ultrapassa, geralmente, cinco, seis anos.

Por quê?

Magda Soares - Há várias razões para isso. Uma delas é que, enquanto até a década de 60 eram poucos os livros didáticos oferecidos no mercado, a partir dessa década como conseqüência da grande expansão do número de escolas e, portanto, do número de alunos e professores, cresce o número de consumidores do livro didático e, por causa desse novo e promissor mercado, multiplicam-se os autores, os editores e, portanto, as obras - a escolha se dispersa entre várias obras, uma obra é logo substituída por outra. Outra razão, esta talvez mais importante, é que o avanço e a mudança dos conhecimentos e habilidades no mundo contemporâneo são tão rápidos que quase se pode afirmar que o que se está ensinando hoje estará provavelmente ultrapassado no ano que vem. Sendo assim, os livros didáticos, que não podem conter conceitos ou informações que se tornaram errados ou inadequados, que devem incorporar novas concepções de aprendizagem, novas metodologias, novos recursos, costumam ficar em pouco tempo ultrapassados e saem do mercado ou são substituídos por nova versão que atualize a anterior.

Qual a diferença entre o livro didático e o paradidático? Há alguma tendência de um vir a substituir o outro, no futuro?

Magda Soares - Livro didático e paradidático são diferentes quanto a seus objetivos e suas funções. O objetivo do livro didático é apresentar uma proposta pedagógica de um conteúdo selecionado no vasto campo de conhecimento em que se insere a disciplina a que se destina, organizado segundo uma progressão claramente definida e apresentado sob forma didática adequada aos processos cognitivos próprios a esse conteúdo e ainda própria à etapa de desenvolvimento e de aprendizagem em que se encontre o aluno. Sua função, como já foi dito, é servir de suporte para o ensino, um instrumento de trabalho para o professor e aluno. Já o livro paradidático tem por objetivo aprofundar ou ampliar um determinado tópico ou tema do conteúdo de uma ou mais disciplinas; sua função não é a de dar suporte ao ensino e à aprendizagem, como o livro didático, mas é a de auxiliar o ensino e a aprendizagem; uma outra diferença é que, enquanto o livro didático é concebido para um uso sobretudo coletivo e, de certa forma, obrigatório, o paradidático é concebido para uma leitura individual e freqüentemente facultativa. Quanto á segunda parte da pergunta - se há tendência de o paradidático substituir o didático - eu diria que não; o livro didático tem objetivos e funções indissoluvelmente ligados à própria essência e natureza da escola e do ensino, como comentei anteriormente, não pode ser substituído por um material que tem objetivos e funções diferentes; o paradidático certamente contribui na busca dos objetivos e no desempenho das funções que tem o livro didático, mas não tem condições de substituí-lo. Mas convém lembrar que os paradidáticos, que se multiplicaram nas últimas nas últimas décadas, vêm oferecer aos professores uma valiosa alternativa, entre as muitas e várias outras de que eles dispõem, para que não se limitem ao livro didático, exerçam sua autonomia e liberdade para ir além dele, enriquecê-lo e ampliá-lo.

Por que o Brasil comemora o Dia Nacional do Livro Didático?

Magda Soares - Em um país que tem um pouco a mania dos "dias nacionais" para comemorar as mais diferentes coisas, não poderia deixar de existir um Dia Nacional do Livro Didático, como forma de reconhecer e valorizar esse tipo de livro que vem sendo, como defendi ao longo dessa entrevista, um fundamental instrumento de trabalho para o ensino e a aprendizagem escolar, um importante coadjuvante da formação das novas gerações, uma contribuição significativa ao trabalho do professor.