sábado, 16 de abril de 2011

O tal “professor reflexivo”

Uma vez vi um jovem mestrando falar sobre o “professor reflexivo”. Perguntei como ele se via; seria ele um professor ou um “professor reflexivo”? Ele respondeu que fazia um esforço para ser um “professor reflexivo”. Pedi então que ele me dissesse sobre o que ele refletia. Respondeu-me prontamente que ele refletia sobre sua “prática diária como professor”. Solicitei que me contasse sobre a reflexão, o que ele fazia, concretamente, nessa reflexão. Mas ele voltou a repetir o jargão, que refletia sobre “tudo” da sua prática. Pedi exemplos. Ele tentou esboçar um, mas novamente preferiu falar o que havia lido, dizendo que refletia sobre o seu cotidiano como professor que estava “junto dos alunos”. Dei de ombros e fui embora – daquele mato não sairia coelho algum.
Outras experiências com o tal “professor reflexivo” em outros lugares e … nada! Sem coelho!
Duvido que o “professor reflexivo” gerado pela literatura que fez apologia desse tipo de professor consiga fazer mais do que o mestrando citado e outros até mais sabidinhos. E isso por uma razão simples: a literatura que colocou na praça o “professor reflexivo” é a mesma que defendeu a idéia de que o professor não é um transmissor de conhecimento e, sim, um “organizador de saberes e de práticas para que a aprendizagem possa ocorrer”. Professor organizador? Professor que não transmite conhecimentos? Do que se está falando?
Um professor que não transmite conhecimentos e se dedica à organização de situações para que a aprendizagem aconteça é um professor que não tem conhecimentos? Ou tem, mas os nega? Ou tem, e os renega? Em qualquer caso, duvido que alguém seja reflexivo se não transmite conhecimentos. Quem não transmite conhecimentos diz o que ao estudante? Faz o que em sala de aula? Diz para ao aluno ir a uma biblioteca ou à Internet? Mas isso qualquer professor tem de falar. Na verdade, a questão é o seguinte: como pode o tal professor organizador organizar o saber para o aluno sem transmitir os conhecimentos?
As questões que temos de resolver nesse caso são as diferenças entre a seqüência pedagógica e a seqüência própria do item cultural a ser aprendido pelo estudante.
Posso organizar uma seqüência pedagógica para que um estudante compreenda o que é uma equação do segundo grau e de como Baskhara chegou à fórmula-macete de sua resolução. Posso organizar uma seqüência pedagógica para que um estudante consiga executar uma “bandeja” no basquetebol.  Posso organizar uma seqüência pedagógica para que um estudante possa aprender as idas e vindas do complicado período da Revolução Francesa.  Posso organizar uma seqüência pedagógica para que o estudante entenda o exercício do elenkhós socrático. Posso organizar uma seqüência pedagógica para que o estudante compreenda a aplicação da terceira lei de Newton. Essas seqüências, como disse, são pedagógico-didáticas, não são predominantemente lógicas ou históricas ou pragmáticas. Elas são montadas para que o aluno aprenda. Depois disso, o aluno pode aprofundar seus conhecimentos e, então, reconstruir tais seqüências não mais pela lógica pedagógica, mas ou pela história do assunto ou pela sua lógica interna – o que chamamos de lógica própria do conteúdo. Mas, em alguns casos a lógica interna ou a história é a melhor seqüência pedagógica. Dentre os exemplos que citei, o caso do método socrático corresponde a esta última situação. O melhor modo de ensinar o método socrático é o exercício real do método socrático. Mas, no caso da bandeja do basquetebol, a pior coisa seria tentar ensinar um aluno a executá-la a partir de sua melhor execução feita por um atleta perfeito. Essas distinções só são feitas porque o professor não só domina o saber, mas, efetivamente, porque ele o transmite.
A situação mais fácil de exemplificar isso diz respeito ao livro. Quando eu, como professor, produzo um livro, eu organizei o conhecimento e o transmiti ao deixar o livro pronto. Fiz opções claras ao criar a narrativa do livro, e tais opções determinaram a organização que dei ao conhecimento e essa organização só é utilizada à medida que o aluno lê o meu livro e, portanto, recebe a transmissão do conhecimento – o conteúdo da narrativa do livro.
Organizar o conhecimento é isso. Organizar o conhecimento não é ligar um data show e, em seguida, levar o aluno a responder perguntas. Nem mesmo é dar um texto (não raro em cópia xerox) de outro autor para o aluno ler. Isso é parecido com a atividade do treinador esportivo. Elaborar algo como um circuito de treinamento para que o aluno o percorra não é organizar o conhecimento. Isso é outra coisa. Ou melhor, isso é fazer o que nome já diz: criar um circuito de treinamento que, uma vez percorrido pelo aluno, o deixa bem treinado. Mas treino não é educação, é parte dela.
O professor que não elabora a sua narrativa e a transmite, não exerceu nenhuma atividade com sua marca própria. Ora, se alguém quer ser um treinador assim, eu admito, mas que alguém queira ser um professor assim, eu creio que vamos de mal a pior. Pois um professor assim não erra, uma vez que não expõe uma narrativa sua. Não erra e também não acerta. Ou seja, faz pouco ou nada pelo aluno.
O “professor reflexivo”, hoje, talvez já não esteja mais na moda. Caso não esteja, melhor, pois aí teremos chances de ter algum professor realmente fazendo uma reflexão.  Criar uma reflexão pedagógica sem que a base desta seja o fato pedagógico de que professor é um transmissor de conhecimento, ainda que não o único, não é uma ilusão, é realmente uma coisa maluca, sem sentido.
Essa é a regra básica para a formação de professores. O resto é conversa para boi dormir. E o boi realmente dorme, não só no Terceiro Mundo, mas também em alguns lugares que querem se passar por Primeiro Mundo, mas que estão aquém do Terceiro Mundo em pedagogia.

©2010 Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, escritor e professor da UFRRJ. 

http://ghiraldelli.pro.br/2010/06/23/o-tal-professor-reflexivo/

Nenhum comentário:

Postar um comentário