sexta-feira, 22 de abril de 2011

Pós em Educação: a chegada da barbárie

A moça está para prestar uma prova para o mestrado em Educação de uma universidade pública. Todavia, assistindo uma aula de graduação, ela se mostra embaraçada se algum exemplo envolve uma noção de física. Não se trata de uma noção sofisticada, mas coisas como a previsibilidade dada pela lei de gravidade – apenas isso.
Ela fica embaraçada, mas está segura que isso não é importante, porque, como ela diz, “minha área é educação”. Para ela, “educação” tem a ver com dissertar sobre assuntos que não evocam conceitos de física, como se ela não precisasse saber a física do ensino médio para entender a própria noção de modernidade, de ciência moderna e, enfim, saber o que dizem as correntes pedagógicas modernas, herdeiras do Iluminismo e do Romantismo.
Ela entrará no mestrado em Educação que deseja. Uma vez lá, encontrará professoras e professores que, se encostados na parede por meio de qualquer conceito de matemática, talvez tenham a coragem de dizer que “matemática não é minha área”. Física? A mesma coisa! Biologia? A mesma coisa. E assim por diante.
Não pensem que o contrário também não acontece. Com menos freqüência, mas também ocorre. Podemos encontrar matemáticos imbecilizados a ponto de não saberem história ou geografia do ensino médio. Todavia, o mais comum e, enfim, o escândalo brasileiro, se dá mesmo é no campo pedagógico, em especial no âmbito do mestrado e doutorado em Educação.
Cada vez mais os mestrados e doutorados em Educação se tornam cursos que de nada servem para o país. Pode-se entrar neles sem a cultura do ensino médio e, portanto, com uma visão completamente maluca do que se leu na graduação. Pode-se sair deles com o título de mestre ou doutor em uma situação não diferente daquela dos alunos que representaram as estatísticas estarrecedoras dessa semana: só 11% dos alunos brasileiros terminam o ensino médio com o conteúdo de matemática adequado ao de terceiro ano, o último desse nível de escolar (Veja o JC). Ora, se a pesquisa for feita avaliando tais alunos em outras áreas científicas, o resultado não será diferente. Nossos alunos saem do ensino médio como se tivessem feito apenas as primeiras séries do ensino fundamental.
Estamos chegando, portanto, ao final de um processo que começou em meados do Regime Militar, mas que só agora, após cinco décadas, mostra sua verdadeira realização. O que temos hoje, em várias salas de aula de universidades tidas como nossas melhores, é o professor universitário que desconhece a cultura do ensino médio.  Muitos que ministram aulas em cursos de mestrado e doutorado em Educação no Brasil são incapazes de dizer quais são as três leis de Newton, não sabem distinguir Darwin de Lamarck e não podem entender como que x2 + y2 = 1 é uma circunferência de raio unitário. São pessoas que estão aquém de entenderem qualquer coisa das dezenas de livros de Piaget que lêem, quando este mostra como que, em sua teoria, nós chegamos a dominar leis causais etc. São pessoas que estão falando, falando e falando, mas isso porque a boca está mexendo, não porque sabem do que estão falando. Não possuem a cultura básica que permite que, lendo o que se deve ler na graduação, ocorra algum entendimento real. Boa parte desse pessoal já está ministrando aulas em mestrados e doutorados em Educação. É a barbárie.
No passado, Anísio Teixeira e outros denunciaram o nosso “beletrismo”. Nossa excessiva formação em “Belas Letras”, em cursos de Direito ou de Filosofia. Hoje, o “beletrismo” nem é mais uma denúncia válida. Não é que não se sabe matemática e física por conta de uma formação excessivamente humanística, mas porque não se fez o ensino médio corretamente e, por conta das várias facilidades que se mostram agora em nossos vestibulares, uma parte dos professores de hoje nem mesmo fez o cursinho para entrar na universidade pública. É a falência total do nosso sistema de ensino – inclusive o das elites.
Não falo mais somente dos alunos de graduação, refiro-me a uma camada não pequena de estudantes de mestrado e doutorado em Educação – e de muitos de seus professores. Eles estão aquém dos seus cargos. Não estou dizendo que isso é a realidade da graduação ou pós-graduação da universidade pública como um todo, mas estou denunciando, sim, que na parte de pós-graduação em Educação, temos algo que anda muito mais errado que em qualquer outro canto.

© 2010 Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, escritor e professor da UFRRJ.

http://ghiraldelli.pro.br/2010/09/14/pos-em-educacao-a-chegada-da-barbarie/


Um comentário:

  1. Juliana, este texto em específico me chamou muito a atenção. é válido ressaltar como a "Educação" é vista como algo à parte de todo o processo real de educação, o "filosofar" como dizem é aquilo que impera na discussão entre os pedagogos. Preocupamo-nos muito em "ensinar valores" quando alunos nem mesmo sabem ler no 5º ano. Preocupamonos em deixar o aluno se desenvolver com liberdade sendo que muitos deles não conhecem as palavras "limite" e "respeito" e tentamos dar aulas de Ciências sem mesmo ter noção do que a água representa para a vida humana simplesmente porque biologia não é a "nossa área". Mas, isso nada mais é do que o reflexo de um "sistema de educação" inexistente. Prefeituras, Gonernos Estaduais e Federal atuam de forma isolada respondendo por aquilo que é a sua parte! E, assim estamos formando o "futuro da nação". Essa não é minha área. Essa não é minha responsabilidade. ESSA NÃO É A EDUCAÇÃO QUE QUEREMOS! Desculpe tantas "aspas". Mas no parece que no Brasil a Educação é simplesmente a "educação" mais uam incógnita a se decifrar.

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