quinta-feira, 21 de abril de 2011

ESTÉTICA E FORMAÇÃO DOCENTE: UMA COMPREENSÃO IMPLICADA

Dante Augusto Galeffi

         No âmbito dessa mesa-redonda cujo foco é plurifacetado, com as presenças de Felippe Serpa, Vanda Machado e Roberto Sidnei,  coube-me falar de Estética e Formação Docente. Viso aqui provocar reflexões que contribuam com o objetivo maior deste seminário: a possibilidade de construção de um projeto político-pedagógico para o Departamento de Educação do SINPRO. A tarefa, portanto, não é das mais fáceis, pois requer uma conceituação de Estética e de Formação Docente apropriada para a ocasião, no sentido de provocar uma conversação que contribua para uma tomada de decisão em relação ao projeto político-pedagógico em questão. De qualquer modo, agradeço o convite para participar deste evento e espero poder ressoar com os presentes.
         Considero que em um projeto político-pedagógico que se preze não pode deixar de considerar a dimensão estética em sua trama curricular.  Entretanto, é para mim evidente como ainda não exista um conceito de estética que não se limite a designar os preconceitos de gosto relativos aos padrões de beleza vigentes e dominantes.  Portanto, quero aqui, em primeiro lugar, apresentar um conceito de estética que não se restrinja à idéia de aquisição de valores formais ditados por este ou aquele comércio de bens de consumo. Quero apresentar um conceito que garanta a abertura necessária para a educação da sensibilidade, em consonância com a multiplicidade humana. 
De modo imediato, a palavra estética refere-se ao sensível, ao perceptível, ao sensual. Falar, então, de educação estética, ou melhor, de educação estética na formação docente, é o mesmo que falar em educação da sensibilidade humana aprendente. Nitidamente, isso não é qualquer coisa. Pelo contrário, é algo que toca o cerne da condição humana vivente e vivida. Portanto, algo da ordem dos acontecimentos implicados e não apenas daqueles hipotéticos e fantasiosos.
         Em nossa cultura ocidental moderna, marcada pela racionalização dos processos de conhecimento e pela mecanização das objetividades seriais, a sensibilidade foi sempre tratada como coisa menor ou secundária, não sendo devidamente reconhecida em seu funcionamento natural autopoiético.  Em um mundo dominado por uma racionalidade tecnocientífica, a sensibilidade é tida como serva da razão. Portanto, a sensibilidade é compreendida como matéria prima para realizações cognitivas consideradas superiores, como fazer a guerra e ir à lua, controlar e dominar os princípios produtivos de uma maquinação qualquer. Lastimavelmente, a sensibilidade não foi ainda devidamente reconhecida em sua originariedade vivente.   Nesta medida, a palavra estética precisaria ser destituída de sua significação instituída imediata, e sofrer uma torção conceitual para que possa significar algo efetivamente fundamental na formação humana em geral, independentemente do contexto e das circunstâncias específicas de cada caso.
         Se pudermos considerar a sensibilidade como uma das dimensões capitais dos modos-de-ser que caracterizam  a espécie humana, então é preciso deixar de lado toda e qualquer idéia de modelo estético pré-estabelecido, como se apenas um fosse o Belo, justamente aquele experienciado pela esplendorosa cultura grega.  Esse modo centralizador de significar o estético é nada mais do que um caso histórico determinado, nunca, porém, o modelo ideal imperativo para todo o gênero humano. Em outras palavras, este modo de conceber o estético é expressão de uma dominação ideológica que custa muito caro poder libertar-se.  De maneira criticamente corrigida, o estético não pode ser medido pelos cânones de uma cultura que se impõe às outras com violência e prepotência. Neste sentido, se quisermos levar a sério a educação da sensibilidade, a educação estética, é preciso, em primeiro lugar, fazer-aprender a sentir as formas que constituem nosso modo de ser-no-mundo-com. 
Por natureza, somos seres estéticos, isto é, sensíveis. Portanto, a educação estética não é algo que se presta para regular o comportamento pela limitação dos padrões estabelecidos e dominantes de gosto, e sim algo essencial à existência efetiva-afetiva dos seres humanos. O estético, neste sentido, não é o supérfluo e o meramente fugaz. Pelo contrário, é o campo onde a experiência humana alcança o seu supremo grau de realização. Tudo o que vemos e percebemos é naturalmente sensível. Nosso ser é, também, aquilo que percebe e sente. Felizmente, não somos apenas razão discursiva e propositiva, somos também sensibilidade encarnada. Nossa carne é a morada do sensível. Por que, então, não damos a devida atenção à educação da sensibilidade e a consideramos como algo de menor importância na educação humana?
Bem, a questão, agora, é de natureza crítica, e pode ser expressa do seguinte modo: uma vez admitida a dimensão estética como constitutiva do nosso ser-no-mundo-com, como fazer para torná-la objeto de aprendizados significativos, capazes de constituir um fundamento potencializador da ação humana inventiva e altiva?
Penso que se deva começar por reconhecer a multiplicidade da espécie humana, em todas as suas dimensões e sentidos. Assim, não há como dizer ou afirmar apenas uma ou algumas formas de beleza ou realização sensível dos seres humanos. São infinitas as formas de dizer e de sentir o mundo, e não há motivos para se acreditar em hegemonias axiológicas de nenhuma espécie. Aliás, qualquer que seja a hegemonia, ela só é indicativo de uma única coisa: dominação e prepotência de uns sobre outros. Nesta medida, uma educação estética haverá de fundar-se no primado da diferença do ente-espécie humanidade, e não em uma ou apenas algumas de suas formas de ser. Toda forma de ser, afinal, é modo de ser sensível, e não há razão suficiente que explique ou justifique a prepotência ideológica de alguns em querer impor seus modelos estéticos a todos, como se fossem os únicos autorizados pelos deuses para tal fim.
Desse modo, a educação estética haverá de orientar-se pela multiplicidade da potência humana e não pela uniformidade de suas modulações. Isto requer uma atitude crítica de base, capaz de acionar o aprendizado das diferenças pelo acolhimento das singularidades próximas. De nada adianta uma educação estética que não saiba valorizar a efervescência criadora e plural das possibilidades de beleza e altivez dos grupos humanos historicamente enraizados em suas tradições celebrativas e rituais próprios.  De forma acolhedora, é preciso que a educação estética não se limite à transmissão da cultura de massa dominante e centralizadora, mas que, com maestria e autonomia, possa reunir em seu âmbito todas as possibilidades genuínas de ser-no-mundo-com, porque o que importa não é a afirmação de uma ideologia dominante, mas o aprendizado das diferenças, que fazem da espécie-humana o lugar de infinitas maneiras de celebrar a vida-instante em seu ímpeto fulgente e incorrigivelmente imprevisível.  Assim, a educação estética não pode dissociar-se da educação ética e da educação heurística, muito menos pode ser pensada fora de condições culturais específicas e históricas. E porque vivemos em um meio cultural marcado pela multiplicidade  e pela riqueza étnica, não é inteligente articular uma educação estética que não possa contemplar em sua dinâmica o acolhimento das distintas formas de sentir e celebrar a vida, seja por rituais religiosos ou artísticos, seja por rituais epistêmicos ou conceituais. O importante, então, é ter presente que não se trata de uma questão supérflua e periférica. Pelo contrário, esta é uma questão que não pode ser esquecida em nenhuma formação docente que vise ultrapassar o horizonte pedagógico instituído e regular, pois o mesmo não atende ao primado da diferença humana em sua constituição ontológica originária. E este primado é  justamente  o poder de ser multiplamente aberto ao imprevisível poder-ser sempre o mesmo de si, para além de si mesmo: a vida em sua beleza incansável, aqui e ali, no céu e na terra, no divino e no humano.
Portanto, a estética na formação docente deve atender ao primado da diferença ontológica como seu horizonte compreensivo e fundante. Isto significa, antes de tudo, que cada educador haverá de desenvolver-se esteticamente a partir da sua própria singularidade vivente, o que acarreta uma complexa trama de inter-relações aprendentes a serem experimentadas em atenção ao primado da vida, e não das coisas dadas e supostamente imperantes e dominantes. É preciso, então, ultrapassar o atual horizonte cultural em que o singular não é conjugado, ainda, como acréscimo de potência e de valor, mas como algo que deve alienar-se de si mesmo para enquadrar-se na massificação generalizada e cruel que tem marcado a era da comunicação de massa da sociedade globalizada contemporânea.
E porque somos seres sensíveis e singulares, precisamos justamente aprender a ser para além das limitações mercadológicas vigentes, caso, ainda, queiramos cultivar e preservar valores humanos que não dependem das oscilações do mercado para se afirmarem como tais, mas apenas dependem da genuinidade de nosso modo de bem-querência e vontade de mais-vida para além de toda medida que não nos toque e não nos torne iguais aos deuses, na condição inalienável de nossa liberdade concreta.
Esses são alguns pontos que apresento para alimentar essa instigante conversação pensante.

Disponível em: http://www.faced.ufba.br/rascunho_digital/textos/275.htm
Acesso em: 8 abr. 2011

Decidi enriquecer o blog com o texto acima, pois, além de ser da autoria do prof. Dante Galeffi (FACED), o que já o torna muito especial, o texto coloca no centro das reflexões pedagógicas essa questão fundamental da existência humana: a sensibilidade. Enfim, o texto traz uma consciência do sensível por todas as coisas formadoras do mundo.
A educação estética tem atraído meu olhar, atualmente compõe as minhas pré-intenções de pesquisa, estudos independentes e similares. Percebo que, contrapondo a abordagem cartesiana da educação, é hora de pensar no ético-estético, ou seja, na educação para a vida com um todo, o que inclui, imprescindivelmente, as questões da sensibilidade.
A exemplo do que acabo de afirmar, relato minha experiência... Tenho notado, no dia-a-dia da Academia, que o trabalho pedagógico não pode ser separado da  experiência sensível. Ouso afirmar, ainda, que o objeto estético sofre grandes riscos ao ser tocado pelas escolas, uma vez que, a quase totalidade destas, não contempla a importância da educação estética para a formação plena dos sujeitos.
Acredito sim na possibilidade de uma pedagogia que incorpore o estético sem "destruí-lo". E, acredito ainda que, pensando nessa problemática, desenvolverei uma grande parte dos meus estudos...

Um comentário:

  1. Julyyyy!!!! Parabéns pelo blog!!! Tô super orgulhosa de vc, viu!!! A cor atual está lindaaa, coinciudentemente da cor das minhas unhas... rsrsrs... Ó, respondi ao seu comentário com sua dúvida la no Pretinhos! bjãoo http://pretinhosemcena.blogspot.com

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